--:--
--:--
  • cover
    Rádio Fraiburgo 95.1

BAIXAR APP's

Quais serão os desafios para tornar o Enem 100% digital em todo o Brasil no prazo de 5 anos

A edição de 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trará pela primeira vez a aplicação de provas digitais, feitas em computadores.

O novo exame, previsto anteriormente para outubro e adiado por causa da pandemia, será aplicado neste domingo (31) e no próximo (7).

As provas serão feitas em aparelhos sem acesso à internet ou ferramentas como calculadoras e editor de texto.

A redação será manual, e os alunos precisam levar canetas pretas de tubo transparente para escrevê-la. Das 101.100 pessoas inscritas nesta modalidade, 96.086 confirmaram a inscrição (1,66% do total de candidatos confirmados).

Quando anunciado, em julho de 2019, o objetivo era tornar o Enem 100% digital até 2026. Mas há desafios. Especialistas ouvidos pelo G1 apontam problemas como:

  • Logística e infraestrutura: será um desafio encontrar locais com computadores para um contingente de mais de 5 milhões de candidatos (em 2020, a prova impressa teve 5,78 milhões de inscritos confirmados)
  • Problemas técnicos: os desenvolvedores precisam criar provas que “rodem” em todo e qualquer tipo de computador, marca e capacidade de memória
  • Níveis de proficiência: a prova digital precisa ser adaptada para que a dificuldade das questões seja comparável às do Enem impresso. Pesquisas na área de educação apontam diferenças no rendimento conforme a mídia usada para a prova (papel ou digital)
  • Risco de exclusão social: será necessário preparar os candidatos para se familiarizarem com provas em computadores

Mas há também vantagens: o Enem digital poderá evoluir para um modelo que permita uma avaliação personalizada, com questões sendo escolhidas no Banco de Itens (questões) conforme o aluno acerta ou erra as respostas. Também será possível incluir interatividade na avaliação, com vídeos e gráficos animados, por exemplo. Para isso, será preciso investir na elaboração dessas questões, para criar um banco de dados robusto e com opções variadas a cada nível de desempenho dos candidatos.

Alexandre Lopes, presidente do Inep, disse ao G1 que a versão digital amplia as possibilidades e deixa as provas melhores. “Pode botar vídeo, gamificação [na questão]. A gente pode fazer provas muito mais interativas.”

Ele diz que “esse é o primeiro objetivo” com o Enem digital.

“E o segundo é a questão logística. Há uma dificuldade de movimentar as provas para o Brasil inteiro. O Enem digital simplifica.”

O Inep planeja, a partir da consolidação do modelo digital, mais datas de provas do Enem distribuídas ao longo do ano.

“Assim eu não preciso fazer uma prova para 5,6 milhões de pessoas no mesmo dia. O mesmo computador vai servir para mais de um candidato em datas diferentes”, afirma o presidente da autarquia. “A gente poderia dividir o total de candidatos em cinco grupos. Ele vê o edital e seleciona data e cidade que deseja”, diz Lopes.

Pressão para se adaptar

A prova digital pode criar uma pressão sobre os sistemas de ensino, que vão ter que se adaptar às tecnologias para preparar os estudantes.

Por enquanto, nesta primeira versão, o Enem digital não deverá trazer inovações. É esperado uma “prova digitalizada”, ou seja, as questões como apareceriam no meio impresso, mas refletidas na tela do computador.

A única interação relevante será a marcação da resposta, com um clique. Ao escolher uma alternativa, ela já será anotada automaticamente no gabarito, excluindo o risco de errar na transcrição das respostas, que os candidatos do Enem impresso precisam enfrentar.

Logística e infraestrutura

Um dos pontos que o país precisa superar em 5 anos será a logística e o aumento de infraestrutura para atender a todos os candidatos inscritos.

“Ir de 100 mil para 5 milhões é muita coisa. A gente não tem computador, mesmo que pegue todas escolas e faculdades do Brasil”, avalia Tadeu da Ponte, especializado em processos seletivos e programas de avaliação realizados em larga escala, métricas educacionais e testes realizados em computador.

Lopes, do Inep, afirma que é “por isso que a implementação será gradual. Para dar condição de jovens que ainda vão chegar ao ensino médio eles tenham condição de se preparar para a prova digital”.

Uma saída seria fazer várias provas do Enem ao longo do ano, como o próprio Inep já cogita. Com a Teoria de Resposta ao Item (TRI), método de avaliação usado pelo Enem, é possível fazer provas que são diferentes, mas têm o mesmo nível de dificuldade.

“Com a TRI, você poderia fazer prova em diferentes dias e teria a mesma régua para avaliar os alunos . Se o banco de questões for suficientemente grande, o Enem poderia ter aplicações múltiplas em diferentes datas do ano”, afirma. “Essas 5 milhões de pessoas seriam distribuídas no tempo, de tal forma que a infraestrutura seja mais dimensionável”, avalia.

Para elaborar as questões do Enem, é preciso pagar para um profissional. Ponte vê como saída para este entrava uma maior arrecadação com as múltiplas inscrições do Enem.

Problemas técnicos

Para Tadeu da Ponte, além das salas disponíveis, é preciso ter equipamentos. “E quando entra nos detalhes, é muito diferente: tem mil memórias diferentes, diversas capacidades de computador”, afirma.

“É um desafio fazer um sistema que funcione em qualquer computador de qualquer lugar”, avalia Tadeu da Ponte.

Segundo o Inep, haverá um técnico de informática em cada uma das salas de aplicação, além de outro coordenador no local.

Se uma máquina apresentar problema, o profissional avaliará a possibilidade de transferir o candidato para outro computador. Se o procedimento demorar menos de 15 minutos, o estudante pode terminar a prova. Caso leve mais tempo, ele terá de fazer a reaplicação do Enem em fevereiro.

Níveis de proficiência

O professor e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave) da Universidade de São Paulo (USP), Ocimar Alavarse, defende que é preciso saber como o Enem digital será equivalente ao impresso para avaliar o desempenho de estudantes e selecioná-los para vagas nas universidades. Segundo Alavarse, é possível estabelecer estas métricas com pré-testes.

Alexandre Lopes, presidente do Inep, afirmou em entrevista ao G1 em 5 de janeiro que há estudos, mas não há previsão de que sejam divulgados.

“Fizemos estudos, pré-testes com provas em papel e digital e a gente tem tranquilidade de dizer que as provas são comparáveis. Essa é a razão, por exemplo, de a redação ainda ser em papel. Nossas equipes entenderam que a gente precisa de um pouco mais de estudos para poder configurar a prova no ambiente digital para que as pessoas tenham as mesmas condições de concorrência, porque não basta simplesmente dizer que 30 linhas equivalem a 20 linhas digitadas, é mais do que isso, precisa aprofundar um pouco mais para saber como a digitação da redação pode influenciar no resultado da prova, por isso a redação ainda é manuscrita neste ano. Em relação às respostas de múltipla escolha, estamos tranquilos em relação a isso”, afirmou. “[O estudo] não está publicado. Não tem previsão [de publicação] neste momento”, disse.

“[A divulgação dos dados] É o primeiro elemento. A menos que se queira criar uma nova escala, só para o computador. O problema de manter a escala [do impresso] é manter a comparação”, avalia Alavarse.

“É um desafio manter habilidades no digital e no papel que sejam comparáveis em níveis de proficiência para que essa mesma nota entre no Sisu. Esse primeiro piloto, apesar de pequeno em número de inscritos (proporcionalmente ao total do Enem), já está valendo vaga pública”, alerta Ademar Celedônio, professor e diretor de Ensino e Inovações Educacionais do SAS.

Risco de exclusão

Para Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há risco de aumentar a exclusão social devido à desigualdade de acesso às tecnologias. “Os estudantes estão habituados a pensar e responder em papel impresso. Mudar esse processo para a forma digital teria que fazer com que isso acontecesse nas escolas. Não estou falando em treinar, isso tem que fazer parte do cotidiano deles”, avalia.

“O uso de ferramentas tecnológicas na escola teria que ser tão normal quanto a avaliação escrita. Além do Inep tornar a prova 100% digital, ele precisa fazer que o público do Enem tenha condições de fazer isso. No mínimo, o público que está na escola. Se não, aquilo que foi feito para facilitar, se torna um processo de exclusão. Ninguém se torna um ser digital do nada”, analisa.

Ela cita como exemplo o processo de exclusão digital evidenciado pela pandemia. “A pandemia mostrou que não é só a falta de acesso à tecnologia, mas a falta de uso das tecnologias. Os jovens da rede pública em geral estão acostumados a mexer em redes sociais, ouvir música. Nossas escolas precisam ser equipadas com essas tecnologias e para fazerem parte do dia a dia dos estudantes”, afirma.

“O governo precisa essencialmente garantir a inclusão tecnológica, e não só entregando um chip de internet e um celular, mas essa inclusão de que a tecnologia se torne uma ferramenta normal no dia a dia das tarefas escolares”, diz.

O presidente do Inep afirma que o papel do Enem é de indução. “A partir do momento em que os gestores sabem que seus alunos serão submetidos no futuro a uma prova de avaliação digital você cria essa necessidade, induz a capacitação desses alunos.”

“A implementação [do Enem digital] agora é um fato. E a discussão sobre a informatização da escola não é um tema novo. A dificuldade de levar internet e computadores às escolas já vem de bastante tempo”, diz Alexandre Lopes.

Censo da Educação Básica 2020, divulgado nesta sexta (29), aponta que o acesso às tecnologias e à internet varia entre as regiões do país e também entre as redes pública e privada. Na visão de Almeida, nos próximos cinco anos, o governo teria que eliminar essas diferenças.

“A gente pode minimizar isso ampliando acesso à tecnologia, não só de estudantes, mas da sociedade como um todo. Não só te tecnologia, mas de internet. Que disponibilize ferramentas para que as pessoas se familiarizem. Tudo isso precisa ser treinado, as pessoas precisam ser habituadas para conseguir fazer uma prova”, avalia Almeida.

Ademar Celedônio alerta para outro tipo de exclusão: o de candidatos com algum tipo de deficiência que precisam de apoio para as provas. “Na hora em que eu me transportar 100% para o digital, vou ter que lembrar desses alunos para fazer a inclusão. São outras adaptações, outros desafios de inclusão.”

Prova personalizada

Superados os desafios, uma das vantagens de ter um Enem 100% digital será poder evoluir para uma prova personalizada, que começa com perguntas fáceis e avança para outras difíceis.

Em uma escala de 0 a 1.000 no Enem, por exemplo, isso seria começar a prova com uma questão de nível de proficiência 100, e avançar para 200, depois 300. Se o aluno continuar acertando, ele avança para níveis mais difíceis. Se ele errar, o teste pode “calibrar” mais questões. Se o erro foi em 300, o teste pode fornecer uma pergunta de nível 350, por exemplo. Se o candidato errar, a pergunta seguinte pode vir em 310 ou 340, dependendo do grau de especificidade do Banco de Itens.

Estes “degraus” de dificuldade são os níveis de proficiência. Quanto mais variados, melhor será a avaliação. Em uma prova impressa, o número de perguntas é fixo. Em um Enem digital, ele poderá ser variável. “Isso no contexto do Enem desempata candidatos”, avalia Alavarse.

Impacto na educação

Para Celedônio, a prova digital pode impactar nos sistemas de ensino, público e privado, que precisarão se adaptar às tecnologias para preparar professores e estudantes.

“É um começo de um grande processo que pode trazer muitos benefícios para educação brasileira, porque uma vez que o principal exame do Brasil vai para uma tendência dessa, automaticamente vai gerar necessidade de governos e plataformas privadas se adaptarem neste novo exame”, avalia.

Créditos: G1

Últimas Notícias