Em menos de quatro décadas, quase um terço da população brasileira será composta por pessoas idosas. Na prática, o prognóstico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) significa que certamente você será uma dessas pessoas com mais de 60 anos.
A idade chega para todos, é verdade, mas não é preciso esperar o ano de 2060 para aprender sobre como as pessoas idosas merecem e devem ser tratadas. “Crianças em corpos de adultos”, “teimosos”, “cansados”, “esquecidos” e “rabugentos” são algumas das expressões ainda usadas para se referir aos mais velhos, mas a aparente inocência e banalidade de tais termos esconde um comportamento perigoso, que não raramente se converte em casos de violência.
Por isso, neste 15 de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) chama atenção para a necessidade de uma mudança na mentalidade individual e coletiva. Afinal, o que podemos fazer para acabar com os preconceitos que estão na raiz da violência sofrida pelas pessoas idosas? Alterar essa perspectiva passa por compreender que ela está ligada a aspectos culturais e estruturais.
Para a Coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CDH), Ana Luisa de Miranda Bender Schlichting, “esta data é uma oportunidade para refletirmos sobre comportamentos que muitas pessoas pensam ser naturais, mas que, na verdade, expressam atos de violência contra pessoas idosas”, observa. “Certamente todos nós já vimos alguém desqualificando uma pessoa idosa, não só por meio do uso de termos pejorativos ou ofensivos, mas também negando sua autonomia, desconsiderando suas vontades ou menosprezando suas opiniões. Muitos desses atos já estão tão naturalizados que, infelizmente, as pessoas já não os percebem como violentos”, completa a Coordenadora do CDH.
A falta de estrutura para as pessoas idosas
Uma das faces do problema da violência contra a pessoa idosa é a falta de infraestrutura para atender às necessidades de uma sociedade que está em processo de envelhecimento. Como explica a Analista do MP no Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CDH) Luciane de Medeiros dos Santos, “não estamos nos dando conta do quanto a nossa sociedade está envelhecendo, um processo que acontece a passos largos, e não temos infraestrutura para atender a essa população adequadamente”.
Enquanto em países como Alemanha e Japão o envelhecimento da população foi acompanhado de investimentos em condições sanitárias, habitacionais, salariais e no crescimento do nível educacional, no Brasil ele ocorre sem que condições básicas de vida estejam resolvidas. Luciane cita como exemplos as precárias condições de moradia de boa parte da população, o acesso ainda restrito à educação, a falta de saneamento básico e a insegurança alimentar. “Além disso, são insuficientes as políticas públicas e serviços destinados a atender essa população. Dessa forma, especialmente falando das relações de cuidado, o Estado desresponsabiliza-se da obrigação de cuidar para delegar à família – hoje também empobrecida e em número cada vez menor de pessoas – o cuidado à pessoa idosa”, avalia a Analista do MP.
O potencial do Protocolo PISC
Ciente dessa defasagem estrutural, em 2018 o Ministério Público de Santa Catarina e as demais entidades integrantes da Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em Situação de Violência no Estado de Santa Catarina (PISC) lançaram o Protocolo PISC. A iniciativa consiste em um importante documento que pode ajudar os municípios catarinenses a qualificarem o atendimento às pessoas idosas em situação de violência.
Construído com colaborações de todas as entidades que compõem a Rede PISC, o documento contém fluxos e orientações para o atendimento das pessoas idosas em situação de violência que chegam às repartições públicas. A proposta do Protocolo PISC é que ele seja usado como base para a elaboração de políticas municipais voltadas à atenção da pessoa idosa, podendo ser adaptado pelos municípios de acordo com a realidade e as necessidades locais.
A Coordenadora do CDH, Ana Luisa de Miranda Bender Schlichting, explica que o Protocolo PISC é um documento que, além de orientar o atendimento humanizado de episódios de violência contra pessoas idosas, colabora para que cada instituição compreenda seu papel e garanta os encaminhamentos mais efetivos. “Isso inclui, por exemplo, evitar que a pessoa em situação de violência e já fragilizada tenha que peregrinar por vários órgãos de atendimento, inclusive relatando sua própria história por várias vezes, o que chamamos de revitimização”, pontua.
“O Protocolo PISC organiza e humaniza o atendimento prestado por todos os órgãos que, em algum momento, poderão ser procurados ou receber denúncias de atos de violência praticados contra pessoas idosas e permite que todas as instituições que podem atender uma pessoa idosa em situação de violência compreendam sua importância e sua função, ao mesmo tempo dando o encaminhamento mais resolutivo e humanizado para cada caso”, observa a Coordenadora do CDH.
Além do atendimento humanizado, um dos aspectos centrais do Protocolo PISC é a busca pela saúde e segurança da pessoa idosa em situação de violência. O fluxo de atendimento estabelecido pelo protocolo sugere que casos suspeitos ou confirmados de violência sejam imediatamente comunicados pelas equipes que fizerem o atendimento das pessoas idosas aos órgãos que integram a Rede PISC. Com isso, instituições como MPSC, Polícias Civil e Militar, Poder Judiciário e demais componentes da rede pode agir dentro de suas atribuições para garantir o direito das vítimas e assegurar sua proteção.
Um dos materiais disponíveis no documento é o Formulário PISC, uma ficha a ser preenchida pelo servidor no atendimento da pessoa idosa e que permite o encaminhamento do caso aos demais órgãos da Rede PISC, diminuindo a necessidade de a vítima passar por novos depoimentos e situações de revitimização.
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